Antes do advento da Lei, havia necessidade de comprovar que a conduta ilegal foi praticada com dolo ou culpa da pessoa jurídica para aplicação das sanções.
Passados seis meses do início da vigência daLei Anticorrupção (12.846/2013) o seu alcance e abrangêncìa parece não ter sido percebido completamente no meio empresarial. É que, as empresas passaram a responder diretamente pelas práticas de corrupção independentemente da demonstração de culpa ou dolo (intenção), estando atrelada apenas à prática de ato lesivo, por ação ou omissão.
É o que chamamos, juridicamente, de responsabilidade objetiva.
Antes do advento da Lei, havia necessidade de comprovar que a conduta ilegal foi praticada com dolo ou culpa da pessoa jurídica para aplicação das sanções. Mais do que isso, havia a necessidade de comprovar que a cúpula representativa da pessoa jurídica tinha ciência da prática de corrupção. Agora não se pode mais alegar que a infração havia sido cometida por atitude isolada de um funcionário, sem o conhecimento da direção empresa. Portanto, a possibilidade de haver punição é maior e com o agravante de que as penalidades são mais duras.
Estão abrangidas pela Lei as sociedades empresárias e as sociedades simples, bem como quaisquer fundações, associações e sociedades estrangeiras que tenham sede, filial ou representação no Brasil.
A responsabilização da pessoa jurídica persiste ainda que ocorra a alteração contratual, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária e não exclui a responsabilidade individual dos dirigentes ou administradores na medida de sua culpabilidade, prevendo, neste caso, a Lei, na hipótese de abuso de direito, a possibilidade de desconsideração da pessoa jurídica, alcançando o patrimônio pessoal dos administradores e sócios com poderes de administração. Igualmente, a Lei estende a responsabilidade pelo pagamento de multa e reparação do dano causado às sociedades controladoras, controladas, coligadas ou as consorciadas, que responderão solidariamente pela prática dos atos previstos na Lei.
Estão elencadas na Lei crimes como prometer ou dar vantagem a agente público, financiar, custear, patrocinar ou subvencionar a prática de atos ilícitos, fraudar/manipular processos licitatórios e contratos administrativos, dentre outros.
Para apuração das irregularidades a Lei prevê a instauração de julgamento de processo administrativo, de ofício ou mediante provocação pela autoridade máxima de cada órgão ou entidade dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
As penalidades podem atingir diretamente o patrimônio das empresas e repercutir nas suas atividades. Administrativamente poderão ser aplicadas multas entre 0,1% e 20% do faturamento bruto anual das empresas, sendo que, na falta de critérios para aferir o faturamento, será aplicada entre R$ 6.000,00 (seis mil reais) e R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais). Além disso, a decisão administrativa será publicada e divulgada através dos meios de comunicação e a empresa registrada no cadastro nacional de empresas punidas (Cnep), o que pode repercutir negativamente na reputação da empresa. Na esfera judicial, as empresas poderão ser condenadas a perda de bens, direitos e/ou valores obtidos na infração, suspensão das atividades, proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções ou empréstimos de entidades públicas e, até mesmo a dissolução compulsória, encerrando as suas atividades nos casos mais extremos.
De outro lado, a Lei oferece o remédio para mitigar os efeitos das pesadas punições previstas, através da criação de mecanismos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia, que serão considerados como atenuantes no momento da fixação das penas.
Trata-se dos setores de compliance, já bastante conhecidos no meio empresarial, que estabelecem normas internas, regulamentos e diretrizes para nortear a postura dos funcionários da empresa, não raro através de códigos éticos de conduta efetivamente implementados e divulgados aos colaboradores por meio de treinamentos continuados, como forma de prevenir, detectar e tratar desvios ou inconformidades que possam ocorrer.
Outra medida que pode repercutir positivamente no momento da fixação das penas é a abertura de canais para denúncia de práticas duvidosas, permitindo que os funcionários levem ao conhecimento da administração da empresa os fatos suspeitos, permitindo, assim a sua apuração.
A Lei prevê, ainda, um programa de cooperação para as empresas que colaborarem com uma eventual investigação, através de celebração de acordo de leniência, o que poderá reduzir a multa em até dois terços.
Estes são os pilares da Lei Anticorrupção. Não há dúvida de que será positiva para o país, coibindo os excessos verificados ao longo dos anos. No entanto, poderão existir questionamentos com relação à punição das empresas sem a necessidade de comprovação de culpa, notadamente na hipótese de serem implementados todos os mecanismos de proteção e combate à corrupção.
O resultado prático da aplicação da Lei e, sobretudo, da sua interpretação, será dado pelos Tribunais, através de suas decisões.