As cláusulas de declarações e garantias (representations and warranties), por influência do direito americano, tornam-se cada vez mais freqüentes nos usos e costumes dos contratos brasileiros.
As cláusulas de declarações e garantias (representations and warranties), por influência do direito americano, tornam-se cada vez mais freqüentes nos usos e costumes dos contratos brasileiros. Estas cláusulas se prestam a declarar de forma expressa as premissas que servem de base para a celebração de um contrato, detalhando situações de fato que constituem verdadeiros pressupostos para o acordo entre as partes, de modo que, se tais informações não se revelarem verdadeiras ou completas, a outra parte terá direito a correspondente indenização ou sanção contratual decorrente do inadimplemento desta cláusula.
Tais cláusulas tornam-se cada vez mais longas e detalhadas na medida em que cresce a complexidade das operações econômicas retratadas nos contratos celebrados no Brasil, com especial ênfase naqueles contratos da área de fusões e aquisições empresariais.
Isto porque as cláusulas de declarações e garantias se prestam, precipuamente, a divulgar informações relevantes, de uma parte do contrato para a outra, atinentes ao objeto do negócio jurídico entre elas. Deste modo as “declarações” são mais relacionadas ao dever de fornecimento de informações relativas ao objeto do contrato entre as partes, e as “garantias” se relacionam mais ao dever de divulgar estas informações de modo verdadeiro e completo, de modo que as informações divulgadas sob o manto e a proteção desta cláusula passem a adquirir no contrato o status jurídico de informações completas, verdadeiras e confiáveis para fins da celebração do contrato objeto de negociação entre as partes.
Outra função extremamente relevante para as declarações e garantias é a fixação e delimitação de obrigações de indenização, ou seja, qual será a sanção contratual aplicável para a violação de certas e determinadas declarações e garantias, que podem variar em grau de penalização, desde descontos ou retenções de preço de uma parte para a outra (conforme acordos de escrow account, por exemplo), obrigações de indenizar com base em multas previamente estipuladas no contrato ou mesmo a própria resolução do contrato em questão, pois não raro algumas declarações e garantias constituem o próprio pressuposto da celebração do contrato.
A negociação e redação das cláusulas de declarações e garantias é um processo complexo que merece toda dedicação dos profissionais envolvidos, pois cláusulas desta natureza costumam ser bastante detalhadas e abordam diversos aspectos da situação jurídica da empresa vendedora, tais como societários, contratuais, posição de litígios em esfera administrativa e judicial, questões ambientais, regulatórias, tributárias, trabalhistas e tantas outras. Do ponto de vista do comprador, as declarações e garantias costumam ser mais enxutas, relativas à sua autorização e capacidade de pagamento para efetivar o negócio.
Esta é a razão pela qual se costumam inserir algumas “qualificadoras” nas declarações e garantias, de modo a limitar e fixar princípios corretos de interpretação para as declarações e garantias emitidas pelas partes. Dentre estas qualificadoras destaca-se a do “melhor conhecimento da parte”, de modo que o teor de uma declaração contratual não garanta situações que são desconhecidas na data da celebração do contrato, de modo a evitar futuramente que situações desconhecidas sejam invocadas como fundamento de inadimplemento contratual ou obrigação de indenizar. Outra técnica comumente utilizada é a “carta de exceções” a certas declarações e garantias, que acabam se convertendo em anexos do contrato, não raro bastante extensos, por exemplo, “com exceção das reclamatórias trabalhistas listadas no Anexo I, a companhia não responde outras reclamatórias trabalhistas na data de celebração deste contrato”.
A grande questão que se apresenta é a harmonização do espírito desta cláusula, originária do sistema common law, com o direito brasileiro. Isto é, no direito americano, tais cláusulas são longas, complexas e detalhadas, pois no contexto de um direito costumeiro, o contrato é a própria lei entre as partes, e cada vez que surge um precedente judicial relevante, ele é, de certa forma, incorporado na redação das cláusulas de declarações e garantias. O mesmo não ocorre no direito brasileiro, cujos princípios e regras já constam da legislação, de modo que não é necessário que cada detalhe jurídico de interesse das partes seja transcrito nas cláusulas de declarações e garantias.
Por exemplo, princípios legais brasileiros como o da boa-fé objetiva, inserido no Código Civil, se prestam para fundamentar o dever de divulgação de informações (full disclosure) relativo ao objeto do contrato de forma tão ou mais eficiente que uma extensa declaração redigida neste sentido. Também a boa-fé objetiva previne contra o risco de divulgação de informações incompletas, que não sejam verdadeiras, ou que se prestem a induzir uma das partes a erro. Da mesma forma, negócios jurídicos eivados de erro ou dolo, no sistema brasileiro, são passiveis de anulação, independente de qualquer cláusula do contrato que regule esta matéria.
Não se deve descuidar, portanto, de uma correta harmonização desta cláusula originária de um sistema jurídico costumeiro, baseado em precedentes judiciais (common law) com um sistema jurídico baseado mais em leis e princípios como o brasileiro (civil law). Por exemplo, o princípio de função social do contrato se presta a contextualizar as limitações e qualificadoras das declarações e garantias de modo a evitar que esta cláusula se converta em um “seguro” de uma das partes contra a outra que se preste a “cobrir” qualquer tipo de risco contratual normal em certo segmento de mercado.
O SEGURO GARANTIA JUDICIAL
por Luciana Carneiro de Lara – Grupo Cível
Um importante dispositivo conferido pela Lei 6.404/1976 – Lei das Sociedades por Ações – aos acionistas de uma sociedade anônima fechada (aquelas que não possuem ações negociadas no mercado de valores mobiliários), é a previsão do direito de preferência para a aquisição da participação societária que um dos sócios tencione vender a terceiros ou mesmo a outros acionistas.
Inicialmente devemos destacar que um dos princípios basilares da sociedade anônima é a livre circulação de ações, o que possibilita ao acionista livremente transferir a sua participação societária a quem lhe aprouver. Tal característica é fundamental dentro do tipo societário das sociedades anônimas, considerando que permite aos sócios retirarem-se, seguido do ingresso de novos acionistas, sem a necessidade da modificação do seu ato constitutivo ou de alteração na estrutura organizacional da companhia. Todavia, a Lei das S/A permite uma flexibilização do princípio da livre circulação de ações, conquanto que não impeça a sua comercialização ou submeta a venda “ao arbítrio dos órgãos da administração da companhia ou da maioria acionária” (art. 36 da Lei 6.404/1976).
Neste sentido, a própria legislação autoriza a instituição de direito de preferência sobre ações de uma Sociedade Anônima fechada, que em si constitui uma limitação ao princípio supracitado, desde que tal restrição não venha a criar obstáculos que acabem por vedar a comercialização das ações.
Os quadros societários das sociedades anônimas fechadas são frequentemente preenchidos por sociedades integrantes de um mesmo grupo econômico ou por acionistas pertencentes a um mesmo grupo familiar, cujo equilíbrio societário, representado pela manutenção de suas respectivas participações e pelo controle sobre o ingresso de novos sócios, é necessário para o bom andamento da companhia e para a manutenção da boa relação entre os sócios.
O mais eficaz instrumento conferido pela legislação para a manutenção da estabilidade do quadro acionário de uma sociedade anônima fechada é a previsão do direito de preferência para a compra, em igualdade de condições, das ações que qualquer sócio planeje vender a um terceiro.
A instituição do direito de preferência é realizada por meio da celebração de um contrato entre os interessados, denominado Acordo de Acionistas, que deverá expressamente prever o direito, determinando os casos em que será aplicado.
O Acordo de Acionistas deve estabelecer o dever do acionista que tenciona vender as suas ações, de notificar os demais sócios, que possuem o direito de comprá-las, em igualdade de condições da oferta do pretendente comprador. Para tanto, impõe-se que o vendedor obtenha uma oferta firme e de boa-fé do pretendente comprador, devendo o acionista vendedor comunicar formalmente aos demais sócios a sua intenção, indicando a quantidade de ações, preço e demais condições do negócio, seguido da indicação do nome do pretendente, cuja indicação é necessária devido ao caráter intuitu personae deste pacto societário.
O Acordo de Acionistas deverá ainda definir a forma de comunicação da intenção de venda aos demais acionistas, além de indicar as formas para o seu exercício. É também muito importante que o Acordo estabeleça um prazo máximo para o exercício do direito de preferência pelos acionistas, e ainda, caso os mesmos não exerçam a preferência, deve estipular um prazo limite para a concretização da transferência das ações entre o vendedor e o terceiro interessado.
O direito de preferência instituído em Acordo de Acionistas vincula as ações inseridas no seu objeto, sendo permitido às partes instituírem o pacto preferencial entre grupos de acionistas de uma mesma companhia, exigindo a oferta prévia das ações a acionistas integrantes do mesmo grupo em detrimento de outros. Tal disposição pode ser utilizada de forma a garantir a estabilidade societária de uma companhia, não permitindo que um determinado sócio obtenha uma quantidade de ações que lhe permita obter o controle da companhia, que antes não detinha, sem conferir a possibilidade aos demais acionistas de manter a distribuição acionária previamente existente. É facultado também às partes estabelecer as hipóteses em que a preferência não será aplicável, como, por exemplo, no caso de transferência de ações entre empresas de um mesmo grupo econômico decorrente de uma reestruturação societária.
Importante também destacar que o Acordo de Acionistas deve seguir alguns requisitos impostos pela lei, de forma a conferir efetividade ao pacto preferencial, sendo oponível contra terceiros ou mesmo contra a própria companhia.
Para a sua validade, a Lei das S/A não estabelece uma forma especial para Acordo de Acionistas, tendo a natureza de um contrato atípico, sendo entretanto indispensável a forma escrita para que seja possível o arquivamento na sede da companhia e a averbação no livro de registro de ações nominativas da mesma.
Desta forma, o arquivamento e o registro do Acordo de Acionistas na sua sede impõem à companhia o dever de observar o seu conteúdo, incluído no presente caso, a regra do pacto preferencial sobre a venda de ações acordada entre os sócios. Neste sentido, a companhia fica obrigada a não praticar atos contrários ao estabelecido no Acordo de Acionistas, ficando, por exemplo, obrigada a recusar a lavratura dos termos de transferência de ações em desacordo com o previsto pelos acionistas no Acordo.
O direito de preferência também vincula as partes do acordo, por tratar-se de um contrato particular de caráter parassocial, sendo também oponível contra terceiros uma vez registrado na sede da companhia. Com o registro do Acordo e a conseqüente averbação nos respectivos livros sociais, tal avença integra um conjunto de instrumentos que rege a organização societária da companhia, sendo obrigatória a sua observação pela mesma.
Em caso de descumprimento por parte de um dos acionistas, que intencione vender as suas ações sem conferir o direito de preferência aos demais, a Lei das S/A prevê uma série de remédios jurídicos de forma a compelir o acionista infrator a cumprir os termos do Acordo. Dentre os instrumentos disponíveis, destaca-se a execução específica da obrigação inadimplida, que significa obter em juízo a observação do direito de preferência não observado pelo devedor, de forma a compeli-lo a oferecer as suas ações gravadas pela preferência aos demais acionistas. A execução específica do pacto de preferência em juízo pode exigir que a parte infratora observe o direito, sob pena de multa diária ou mesma a anulação da venda realizada em violação ao Acordo de Acionistas.
Outro importante mecanismo à disposição dos acionistas detentores do direito violado é a notificação da própria companhia que emitiu as ações, para que a sua diretoria se negue a lavrar os termos de transferências de ações em desconformidade com os temos do Acordo, sob pena de responsabilização da mesma em caso de descumprimento.
Neste sentido, uma vez realizada as principais características deste importante instrumento ao alcance dos acionistas para a manutenção da estabilidade do seu quadro societário, é também importante destacar que a lei confere instrumentos céleres e eficazes para garantir o cumprimento deste direito, que vem sendo cada vez mais utilizado por grupos societários empresariais ou familiares, organizados sob a égide de uma sociedade anônima fechada.
Assim, para garantir a efetividade do pacto preferencial, bem como a sua oponibilidade contra terceiros e contra a companhia, conclui-se pela necessidade de uma expressa determinação de tal direito no Acordo de Acionistas, estabelecendo de forma clara e precisa em suas cláusulas todas as hipóteses em que será aplicável ou escusável a sua incidência, para não gerar dúvidas ou obstáculos que venham a dificultar a sua operacionalização e aplicação. Este cuidado na elaboração dos dispositivos relativos ao direito de preferência é fundamental para a garantia da estabilidade das relações societárias que este instituto proporciona aos seus acionistas.
ATRIBUIÇÃO DA RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA AOS SÓCIOS
por Murilo Gheler – Grupo de Direito Tributário
A discussão em torno da atribuição da responsabilidade aos sócios pelo pagamento dos débitos gerados e não adimplidos pela pessoa jurídica, ainda propaga diversas e assíduas discussões no meio jurídico.
A alternância nas decisões proferidas pelo Poder Judiciário compromete a segurança jurídica tão esperada daquele ente. Diante deste panorama pretendemos traçar breves linhas sobre o atual posicionamento das instâncias judiciárias em relação às discussões mais abordadas, com o fito de auxiliar na visualização dos prováveis casos em que seria atribuída a responsabilidade tributária pelo pagamento dos débitos das empresas aos seus sócios.
Em consonância com as recentes decisões exaradas pelo Superior Tribunal de Justiça, este subdividiu a análise da atribuição da responsabilidade tributária em 2 (dois) casos distintos. Assim, inicialmente se faz necessário verificar se o nome do sócio consta na inscrição em dívida ativa juntamente com o nome da pessoa jurídica (minoria dos casos), ou se consta somente o nome da pessoa jurídica.
Para os casos em que o nome do sócio consta como responsável ou co-responsável na inscrição em dívida ativa, o STJ pacificou a discussão, julgando o recurso especial n° 1.104.900 através do rito dos recursos repetitivos, o que significa que esta decisão valerá para todos os casos idênticos. Nela, firmou-se entendimento que nestes casos é válida a atribuição direta da responsabilidade aos sócios, cabendo a estes realizar prova em juízo de que não praticaram atos “com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos”, tendo em vista a “presunção relativa de liquidez e certeza que milita em favor da Certidão de Dívida Ativa”.
Ou seja, para estes casos a atribuição da responsabilidade é instantânea, sem a necessidade de verificação de qualquer indício de ato ilegal, cabendo aos sócios fazer a prova de que não praticaram nenhuma irregularidade, ou seja, ilide-se a presunção de inocência. Felizmente, estes casos ainda são a minoria, por enquanto.
Por outro norte, o mesmo Tribunal Superior asseverou que para os demais casos, em que o nome do(s) sócio(s) não figura(m) junto à inscrição em dívida ativa, caberá à Fazenda Nacional realizar a prova de que o dito sócio agiu com excesso de poderes ou infringiu a lei, contrato social ou estatutos da empresa.
Nestes casos, a celeuma gira em torno de quais atos são reputados como configuradores de excesso de poderes, infração à lei, contrato social ou estatutos. Cabe mencionar que significativa parcela dos pedidos de atribuição da responsabilidade aos sócios esta fundada exatamente na suposta infração à lei cometida pelos sócios.
Antigamente, parcela das decisões judiciais afirmavam que o mero não pagamento do tributo configurava ato de infração à lei. No entanto, tal pensamento foi rechaçado com o amadurecimento destas discussões, as quais auxiliaram no formação do entendimento jurisprudencial hoje adotado, o qual afirma que “somente a existência de dolo no inadimplemento da obrigação configura infração legal necessária à efetivação da responsabilidade do sócio, que não é objetiva, exigindo a configuração de alguma das hipóteses fáticas ali descritas, sendo ônus do exeqüente tal demonstração”.
Diante daquela derrota, a Procuradoria da Fazenda Nacional alterou seus argumentos asseverando que a dissolução irregular da sociedade empresarial configuraria a infração a lei disposta no Código Tributário Nacional. As reiteradas decisões do STJ relativas a esta matéria deram ensejo à criação da Súmula n° 435, a qual assevera “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”. No recurso especial n° 1.104.064, o Ministro Relator afirmou que a dissolução irregular “gera a presunção da prática de atos abusivos ou ilegais, uma vez que o administrador que assim procede age em infração à lei comercial”.
Desta forma, a pessoa jurídica que alterar o seu endereço ou encerrar as suas atividades sem prestar as devidas informações, bem como aquela que não for localizada no endereço informado na Junta Comercial, poderá ser alvo de redirecionamento da execução fiscal para os sócios. No entanto, este pedido pressupõe a permanência de determinado sócio na administração da empresa no momento em que não houve o pagamento dos tributos, bem como no momento da ocorrência dessa dissolução, que é, afinal, o fato que desencadeia a responsabilidade pessoal do administrador.
Por fim, cabe esclarecer que os débitos com a Seguridade Social possuem os mesmos contornos acima delineados, uma vez que o art. 13 da Lei 8.620/93 já foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, tanto por vício formal, quanto por vício material. Desta forma, mesmo para os débitos previdenciários é necessário que a Fazenda Nacional prove que o sócio agiu com excesso de poderes ou infringiu a lei, contrato social ou estatutos.
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