Por Eduardo Pereira de Oliveira Mello
Recentemente foi submetido ao Senado Federal o relatório final do Anteprojeto do novo Código Civil, que deverá ser votado com bastante brevidade naquela Casa.
Muito se discute sobre a necessidade de reformulação de mais da metade dos dispositivos em vigor no atual diploma civilista, considerado o segundo mais importante após a Constituição Federal, pois rege os direitos e deveres das pessoas, seus bens e as relações referentes a elas.
Embora num primeiro olhar pareça-nos precipitada tal iniciativa, uma vez que o Código vigente data de 2002, a verdade é que o projeto original é dos anos 70, quando o Prof. Miguel Reale foi convidado para elaborá-lo. Portanto, dada a velocidade das mudanças na sociedade, as alterações, especialmente no tocante ao Direito Digital, ao qual o Anteprojeto designa um capítulo específico, são bastante oportunas.
Com efeito, o grande volume de relações jurídicas realizadas na forma digital tornou premente (i) o reconhecimento à proteção dos dados pessoais como direito da personalidade, (ii) o reconhecimento dos atos jurídicos eletrônicos, (iii) a previsão sobre contratos eletrônicos, (iv) a discussão acerca da responsabilidade civil ante os impactos e desdobramentos da inteligência artificial e (v) o reconhecimento da herança digital, a fim de se definir o sujeito que terá acesso aos arquivos digitais do falecido titular.
Especial destaque merecem também os capítulos do direito das obrigações e dos contratos empresariais, havidos como sendo os mais bem elaborados no novo Código. No tocante ao primeiro, privilegiou-se o princípio da “pacta sunt servanda” no concernente às relações obrigacionais paritárias e simétricas, plasmando no novo texto legal os conceitos da Lei da Liberdade Econômica. Já em relação ao direito empresarial, incorporado em capítulo especial, grandes avanços foram propostos, tais como: revogação da limitação da concorrência, assim como da regra que impedia marido e mulher de serem sócios. Positivaram-se ainda no texto os princípios do direito empresarial, mediante a valorização da regra de tráfico, da boa fé própria do direito empresarial, que valoriza o comportamento probo e diligente do empresário, da regra relativa à não concorrência com limitação temporal e espacial, além do sigilo.
Ainda em função do dinamismo com que atualmente são formalizadas as relações contratuais, o Anteprojeto prevê a possibilidade das partes convencionarem por escritura pública questões que atualmente devem ser submetidas ao Poder Judiciário, tais como inventários precedidos de testamento e que incluem direito de crianças e adolescentes, assim como divórcios entre cônjuges com filhos incapazes e adoção de filhos adultos. Neste particular, pode-se afirmar que o Anteprojeto segue a tendência do que já vem sendo proposto relativamente aos direitos das coisas, no que tange à possibilidade de expropriação de bens diretamente em cartório, sem a participação direta do juiz.
Em que pese terem havido muitas notícias alarmantes no sentido de que as propostas estariam a albergar proposições bastante audaciosas, notadamente no capítulo dedicado ao Direito de Família e Sucessões, fato é que o Anteprojeto buscou, ainda que politicamente, refletir os anseios da sociedade, ao conferir aos animais o título de seres sencientes (remetendo, todavia, o seu tratamento jurídico a legislação especial) e regulamentar, por exemplo, o casamento entre duas pessoas do mesmo sexo. Na mesma esteira, também andou bem o projeto ao excluir da sucessão como herdeiro necessário o cônjuge casado em separação de bens. Afinal, há no atual diploma uma visível discrepância ao beneficiar patrimonialmente o cônjuge viúvo, sendo que a vontade manifestada pelo casal por ocasião da união foi a de separar totalmente as esferas patrimoniais.
Não obstante, ainda no âmbito do Direito de Família, quer-nos parecer que a previsão de divórcios unilaterais, apenas com posterior notificação do outro cônjuge, poderá gerar alguma insegurança jurídica. É que, muito embora tanto a formação como a dissolução das uniões tenham sido bem mais facilitadas, é curial que alguns princípios constitucionais sejam observados, conferindo-se aos indivíduos o direito de poderem se manifestar prévia e oficialmente acerca de pretensões como essa, manifestadas pelo outro convivente.
Como se percebe, trata-se efetivamente de um novo Código Civil que, nas palavras do relator do Anteprojeto, o Jurista Flávio Tartuce, tem o condão de “destravar” as relações jurídicas, conferindo-lhes maior efetividade em consonância com os avanços da sociedade moderna. Acompanharemos atentos a votação do Anteprojeto, adiantando desde logo que há grandes chances de sua recepção, ao menos pelo Senado Federal, o que se espera ainda para o primeiro semestre.