BOLETIM CEDE - Abril/2010 - 1
INDENIZAÇÃO PELA PERDA DE UMA CHANCE
por Luciana Carneiro de Lara - Contencioso
A responsabilidade civil implica em uma obrigação de reparar danos causados a outrem, ou seja, de indenizar. Considerando que o campo de aplicação desse instituto é muito vasto, vez que são inúmeras as situações que podem desencadear o dever de indenizar, o direito brasileiro prevê várias modalidades de responsabilidade civil, tais como, a responsabilidade contratual ou extracontratual, a responsabilidade objetiva ou subjetiva, a responsabilidade direta ou indireta, dentre outras, cada qual com os seus requisitos próprios.
Apesar dessa diversidade de modalidades, cumpre destacar que há um pressuposto de suma importância que é comum a todas as espécies de responsabilidade civil: o dano. O dano consiste no efetivo prejuízo sofrido pela vítima, isto é, representa toda e qualquer diminuição patrimonial.
Até algum tempo, a doutrina e os tribunais apenas reconheciam o dano real, certo e atual como sendo apto a ensejar o dever de indenizar. Em 1965, contudo, a jurisprudência francesa desenvolveu a teoria chamada perda de uma chance - perte d’une chance – segundo a qual o dever de indenizar decorre da demonstração da perda da oportunidade de obter um benefício ou de evitar um prejuízo.
A referida teoria foi aplicada pela primeira vez no julgamento de um recurso envolvendo a responsabilidade de um médico que teria apresentado um diagnóstico equivocado do paciente, retirando, assim, as chances de cura da doença que acometia a vítima.
A teoria da perda de uma chance, portanto, surgiu para socorrer aquelas situações em que é possível visualizar um dano decorrente da frustração da legítima expectativa que o ofendido possuía em angariar uma vantagem ou evitar um prejuízo. Diz respeito à oportunidade de ganhos de uma pessoa no futuro e a conseqüente frustração na percepção desses ganhos. Essa chance ou oportunidade, todavia, deve ser real, excluindo-se as meras expectativas e possibilidades hipotéticas. A chance a ser indenizada deve ser algo que certamente iria ocorrer, mas cuja concretização restou frustrada em virtude do evento danoso.
A problemática da questão reside na possibilidade de incerteza do dano. Depreende-se daí que as expectativas improváveis não são tuteladas pela nova teoria. Os defensores da corrente tradicional entendem que como não se pode determinar qual seria o resultado final, não se cogita em dano pela perda da chance, uma vez que esta recai na seara do dano hipotético, eventual. Por isso, no Brasil, tanto a doutrina quanto a jurisprudência ainda são tímidas quanto à adoção dessa teoria.
O Tribunal de Justiça do Paraná, contudo, vem se posicionando a favor da nova teoria, sendo diversos os julgados que a tem acolhido. Apenas como ilustração, selecionamos dentre inúmeros acórdãos, alguns trechos que abordam com clareza e objetividade o tema, a saber:
(...) É responsável a instituição bancária que inscreve indevidamente em cadastro de inadimplentes o nome de correntista que cumpre com suas obrigações, pela configuração de falha grave na prestação do serviço." (TJ/PR - Acórdão n.º 15193 - 9ª CC – Foz do Iguaçu – Processo nº 482294-2 - Apelação Cível – Julgamento: 12/03/09 - Publicação: DJ 158).
(...) Comprovado que o requerente contava com condições reais de lograr êxito em evento futuro a que fora alijado por ato ilícito ou quebra de contrato, a ele é devida indenização pela "perda da chance", calculada com base na probabilidade matemática que dispunha da ocorrência do evento lucrativo.” (TJ/PR – Acórdão n.º 22822 – 5ª CC – Curitiba – Processo n.º 471982-0 – Apelação Cível – Julgamento: 18/11/08 – Publicação: DJ 7764).
(...) A impossibilidade de participação em certame licitatório por entrega intempestiva da documentação exigida, constitui causa suficiente para justificar indenização a título de dano moral, seja por força da teoria da perda de uma chance, seja porque tal falha tem o condão de atingir a honra objetiva da empresa.” (TJ/PR – Acórdão n.º 10914 – 10ª CC – Curitiba – Processo n.º 471962-8 – Apelação Cível Julgamento: 03/07/08 – Publicação: DJ 7674).
Para melhor exemplificar em termos práticos, vale a pena analisar essa última decisão. Trata-se de ação de indenização ajuizada em razão da falha na entrega de documentos por meio de transporte aéreo. Em virtude da não entrega, a empresa não pôde participar da licitação em decorrência da entrega intempestiva da documentação. Verifica-se, daí, que não seria possível afirmar categoricamente que a autora seria a vencedora da licitação, caso dela tivesse participado regularmente. Todavia, a falha do serviço aéreo fez com que a autora perdesse a chance de participar e, quiçá, sair vencedora na licitação.
É importante observar que a Teoria da Perda de uma Chance é fruto de criação doutrinária e jurisprudencial, não havendo legislação específica sobre a matéria. Ademais, é de se ressaltar que os tribunais ainda não consagraram um entendimento pacificado a respeito do tema.
Assim sendo, o emprego indiscriminado da tese merece reflexões, pois ao mesmo tempo em que ela representa mais uma forma de tutela dos interesses juridicamente protegidos, a sua utilização não criteriosa traz o risco da banalização do instituto da responsabilidade civil.