Surgida em seus primórdios como proteção ao segredo industrial, especialmente no Código Penal Francês desde 1810, a noção foi gradualmente se expandindo para abranger, hoje, uma série de informações.
Por Paulo Cesar Busnardo Junior – Grupo de Consultoria
No contexto da atual economia do conhecimento, ganha destaque cada vez maior a proteção legal do segredo de empresa (“trade secret”), que por sua vez está diretamente relacionada com a repressão da concorrência desleal.
Surgida em seus primórdios como proteção ao segredo industrial, especialmente no Código Penal Francês desde 1810, a noção foi gradualmente se expandindo para abranger, hoje, uma série de informações, técnicas e processos protegidos pelo sigilo empresarial. Não apenas segredo de indústria ou comércio, mas sim elementos que contenham o segredo da própria organização da atividade econômica em si, profissionalmente exercida para a produção ou circulação de bens ou serviços, que constituam diferencial concorrencial – o segredo de empresa.
O conteúdo do segredo de empresa pode ser interpretado, hoje, como englobando quaisquer informações estratégicas ou confidenciais que, pela sua própria natureza, proporcionem ao empresário titular algum tipo de vantagem perante seus concorrentes.
São exemplos do segredo de empresa: processos industriais, “know how” (conjunto de conhecimentos e experiências de certa empresa), parâmetros de projetos, processos de negociação, lista de fornecedores, lista de clientes, informações estratégicas atinentes a uma atuação diferenciada no mercado, enfim, um conjunto de informações, atreladas a um suporte físico ou não, que proporcionem vantagem competitiva no mercado.
O segredo de empresa não é passível de registro, ao contrário de marcas ou patentes, mas goza de satisfatória proteção legal no sistema legal brasileiro. O principal foco da proteção jurídica do segredo de empresa é a sua oponibilidade não a terceiros em geral, mas sim a certos atos concorrenciais tipificados como ilícitos pela legislação.
Em diversas operações empresariais, seja de captação de recursos no mercado financeiro ou de capitais, seja em associações empresariais como “joint ventures” ou mesmo operações da área de fusões e aquisições em geral, costuma-se utilizar a figura do “acordo de confidencialidade” para proteção adequada do segredo de empresa. Entretanto, é oportuno mencionar que, mesmo sob o manto de um acordo de confidencialidade, o empresário pode administrar e selecionar as informações que serão reveladas, dado o caráter estratégico das mesmas, a fim de preservar a competitividade de sua empresa.
Durante a I Jornada de Direito Comercial, realizada recentemente no Superior Tribunal de Justiça, foi aprovado o enunciado de n. 27 sobre esta matéria, com o seguinte teor: “não se presume violação à boa-fé objetiva se o empresário, durante as negociações do contrato empresarial, preservar segredo de empresa ou administrar a prestação de informações reservadas, confidenciais ou estratégicas, com o objetivo de não colocar em risco a competitividade de sua atividade.”
A proteção legal do segredo de empresa, no Brasil, vem desde a legislação internacional que rege a matéria (de modo especial o Trips Agreement, internalizado pelo Decreto n. 1.355/94) até a Lei de Propriedade Industrial (Lei n. 9.279/96), que cuida da matéria na repressão a concorrência desleal. A Lei de Propriedade Industrial sanciona como concorrência desleal as seguintes condutas, nos termos do seu art. 195, ou seja, quem: “XI – divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato;” “XII – divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos ou informações a que se refere o inciso anterior, obtidos por meios ilícitos ou a que teve acesso mediante fraude.” A legislação de propriedade industrial permite a responsabilização por atos de concorrência desleal tanto em âmbito civil quanto em âmbito criminal.
Pode-se ponderar, com Fábio Ulhoa Coelho (Curso, 1998), que no caso de concorrência desleal por quebra de segredo de empresa, o agente do ilícito tem acesso a informações que o empresário titular do segredo de empresa tinha interesse em manter reservadas, fora do alcance de seus concorrentes. Esta quebra de segredo de empresa pode ocorrer, exemplificativamente, nas seguintes hipóteses: (i) invasão de banco de dados, perpetrada à distância, em modalidade que se poderia denominar de “espionagem à distância”, através da qual se obtém acesso não autorizado a banco de dados cujas informações constituem segredo de empresa; (ii) infiltração de funcionários no quadro da concorrente, em modalidade também conhecida como “espionagem econômica”, permitindo ao empregado apropriar-se de informações essenciais da atividade da empresa com o objetivo de utilizá-las indevidamente; (iii) aliciamento de empregados ou membros do quadro funcional da concorrente, em verdadeira “compra” de informações privilegiadas, que pode envolver empregados graduados, administradores, sócios minoritários ou mesmo outros prestadores de serviços que possam ter acesso às informações do segredo de empresa de modo a utilizá-las ilicitamente, prejudicando a concorrência.
Também a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) sanciona como justa causa para resolução do contrato de trabalho, pelo empregador, a violação do segredo de empresa, conforme seu art. 482, (g). A jurisprudência sobre esta matéria, aliás, é extensa. O próprio Código Penal contém normas protegendo a inviolabilidade dos segredos e a violação de sigilo funcional.
Em suma, o segredo de empresa tende a ser ativo intangível cada vez mais importante na atividade empresarial brasileira, sendo recomendável que os empresários cerquem-se das cautelas legais cabíveis para preservá-lo, inclusive no âmbito de acordos de confidencialidade firmados para celebração de contratos empresariais, contexto no qual lhes será lícito administrar e proteger as informações estratégicas para preservar sua competitividade no mercado, sem que arquem com qualquer sanção por conta desta conduta legitimada pelos mais atualizados entendimentos sobre a matéria.
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